segunda-feira, 31 de agosto de 2009

MULHERES NAS TIRAS

Tese de doutorado: Universo dos quadrinhos revela que a ala feminina vive um momento positivo de mudanças

RENAN MAGALHÃES – Da Agência Anhanguera

As tiras em quadrinhos da Radical Chic (Miguel Paiva), Aline (Adão Iturrusgarai) e Maitena (Maitena Burundarena) trazem mais do que uma boa dose de humor. Por meio delas, também é possível identificar os dilemas, conflitos e, principalmente, as contradições da mulher contemporânea. Esse foi o foco dos estudos da linguista Érika de Moraes, durante sua tese de doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que constatou que os autores apresentam a mulher moderna como um ser em crise e vivendo um período de transição.

A princípio, Érika pretendia analisar o funcionamento dos discursos que constroem a imagem da mulher em nossa sociedade. Na hora de delimitar o foco da pesquisa, ela pensou em matérias jornalísticas e programas televisivos, mas acabou escolhendo as tiras. “O humor é um espaço instigante, que permite certas 'verdades' que não são ditas em outros lugares, ainda mais na era do politicamente correto. Frases como: 'Lugar de mulher é na cozinha'. É uma forma de representar a realidade e que brinca com esteriótipos”.

Na hipótese levantada durante a elaboração do projeto, a linguista esperava identificar um discurso que comprovaria o machismo que ainda existe na sociedade. Mas durante a pesquisa foi surpreendida por uma realidade mais complexa. “Vi que o discurso das tiras em quadrinhos mostra uma mulher que se encontra num espaço de transição. Que vive uma crise, mas no sentido positivo da palavra, um momento de mudanças. Afinal, as conquistas femininas que aconteceram nas últimas décadas ainda são historicamente muito recentes.

Nas personagens das tiras, Érika observou um grande conflito da mulher ao encarar o trabalho doméstico e ainda lidar com o mundo profissional. Para ela, o sexo deminino está deixando o espaço privado (lar) para atuar no público (trabalho) e nessa transição tem de encarar diversas cobranças. “A mulher tem dificuldade em lidar com as expectativas que existem em torno delas. E a própria mulher se cobra bastante, pois essas supostas obrigações já estão historicamente introjetadas nelas”, considera.

DIFERENÇAS – Para ela, ao mesmo tempo em que as mulheres se mostram tão independentes, elas ainda se mostram inseguras em muitos aspectos, como ao precisar do carinho de um homem ou lidar com uma celulite. “São essas contradições que constituem a mulher e a sociedade humana. A escritora francesa Simone de Beauvoir disse nos anos 40 que mais importante do que buscar as diferenças entre homens e mulheres, é buscar as complementaridades. Afinal, o que há de similar é muito maior do que as diferenças. E esse pensamento permanece relevante quando analisamos essas personagens”, conclui.

Fonte: Gazeta de Piracicaba – domingo, 21 de junho de 2009 – Cultura & Gente – Página 21.